hoje é dia de “Magia”
decidi falar um pouco sobre o álbum de Luiz Caldas que deu início ao axé
imagina ter vinte e poucos anos em 1985, verão em Salvador, a ditadura chegando ao fim, e um mundo inteiro de possibilidades à frente.
imagina ter 22 anos e ser Luiz Caldas.
a axé music completa 40 anos, e só completa essa idade graças ao lançamento do primeiro álbum solo de Luiz Caldas, “Magia”, em 1985, que chegou com uma mistura nunca ouvida em outro canto do país — e a cara da Bahia: um encontro entre pop, reggae, música latina, percussão afro-brasileira, e um clima tropical, em alta temperatura, repleta de suor, que construiu o que chamamos hoje de axé music.
mas o que tinha antes do axé no carnaval?
se você for millennial e morar em Salvador — e obviamente seus pais gostarem de carnaval, pergunte a eles que músicas mais tocavam na festa no começo dos anos 80, ali antes de ’85, e provavelmente eles vão responder que era o galope e o frevo.
a coisa muda de figura em 1985, quando um cara meio andrógino, diferentão, aparece cantando e dançando ao som de algo que não parecia com nada que tinha antes.
era Luiz Caldas com “Fricote” — sim, aquela música que hoje não é cantada mais, por motivos óbvios.
o que tem em “Magia” que é relevante, além do som?
assim como a mistura de gêneros que se transforma em algo novo e vibrante, um dos aspectos mais interessantes desse álbum são as letras. como eu sou escritora, uma das coisas que eu gosto muito de acompanhar quando se trata de música são as letras, e entender se elas casam com as melodias e a vibe do álbum no geral.
em “Magia”, onde boa parte das músicas é composta pelo próprio Luiz Caldas (com contribuições de Paulinho Camafeu na seminal “Fricote”, além de Val Macambira, Carlinhos Brown, entre outros), o eu-lírico está em um perpétuo estado de tesão. isso mesmo: desde a primeira faixa, “Magia”, passando por músicas como “Visão de Ciclope”, “Sonho Bom” (onde ele sonha com uma mulher nua num balão), “Nouai”, “Contra-mão”, as músicas tratam sempre de um desejo, de sedução, de paixões prestes a serem vividas, tudo em um cenário, um ambiente, que você entender ser praia, verão, Salvador, uma juventude repleta de hormônios e disposta a fazer valer uma liberdade tão esperada — e que parece implícito esse sentimento em cada letra (e mais direcionada em faixas como “Tilintar” — que é mais viajandona; e “A Vida é Assim”).
há também o duplo sentido de “Fricote”, mas tanto esse tesão quanto o duplo sentido estão aqui a serviço de uma tradição presente na música popular brasileira desde o Brasil colônia: o perpétuo estado de tesão.
(desde as marchinhas de duplo sentido no carnaval, passando por qualquer cantor popular — Odair José, Roberto Carlos — divas da MPB como Gal Costa, roqueiras como Rita Lee, sambistas — Martinho da Vila, Alcione — até artistas atuais como Ludmilla. todo mundo está com tesão.)
por isso, liricamente falando, “Magia” se coloca como além de um álbum seminal para a criação da axé music, com sua mistura sonora e letra com ambientação de uma Bahia, de uma Salvador vibrante e cheia de energia; mas também como um álbum fundamental para a MPB, se inserindo liricamente dentro da tradição secular da nossa música sobre prazer e desejo.
como o axé atual pode aprender com “Magia”?
ouvir “Magia” em 2025, em especial considerando a longa crise de identidade do axé atual, é uma forma de se reconectar com as raízes do gênero, à complexidade musical que o próprio Luiz Caldas apresentou tão bem com tão pouca idade. ele passou o tutorial, gente, é só aprender!
mas enfim, se precisamos nos reencontrar com o som que tornou a música baiana única em relação ao resto do Brasil, é importante voltar ao início — à mistura sonora do “Magia” e as letras que ambientam o ouvinte numa Salvador mágica, ensolarada, sensual e eternamente jovem, com grandes esperanças para o futuro.
uma inspiração feita por um gênio, para retomar o caminho da criatividade musical do axé.
e aí, vocês já ouviram “Magia”? o álbum está disponível nos principais serviços de streaming.