maratona James Bond (1) “007 contra o Satânico Dr. No” (1962)
de “satânico” não tem nada

eu tomei uma decisão muito séria no começo do ano: ASSISTIR A TODOS OS FILMES DA FRANQUIA 007.
confesso que eu só não vi “Octopussy”, “Licença para Matar” e o filme mais recente; então essa é a oportunidade de rever filmes que eu gosto, mudar de opiniões ou sedimentá-las — além de assistir com dois olhares: um, acompanhando as tramas e pensando no caráter de entretenimento de um bom filme de James Bond; dois, fazer uma análise mais crítica, algo como “olha, isso aqui não funcionaria em 2023, hein?”.
eu comecei com “007 contra o Satânico Dr. No” (1962), o primeiro filme da série, que é mais um filme de espionagem com algumas cenas de ação do que o contrário. você não vê os gadgets do Bond ainda, e sim algumas relações canônicas, como o banter com Moneypenny, as conversas com M (que aqui funciona apenas como o “avatar do chefe”, e não uma personagem tridimensional como Judi Dench nos filmes a partir de Pierce Brosnan — e mais profundamente na Era Craig), e alguns pontos interessantes do Bond como uma pessoa normal: ele pega o chapéu pra ir ao trabalho, ele tem um apartamento… ele não é a “manifestação viva do destino” como Ethan Hunt, ele é um cara normal.
(só vemos isso muito pouco antes da Era Craig: em raríssimos momentos em um dos filmes do Roger Moore — se não me engano, é em “Somente para Seus Olhos” — e na única aparição de George Lazenby como 007)
o filme, obviamente, funciona muito bem porque a escolha do Bond é certeira: Sean Connery com sua altura impositiva e ar de estivador do porto não é exatamente o que se espera de um agente secreto elegante e suave (um dos produtores do filme chegou a fazer um intensivo de “elegância” com o cidadão, e deu certo haha), mas ele é tão bom nesse negócio que você ignora tudo porque sabe que se ele olhar duas vezes pra você, gamou.
eu AMO o Bond do Connery, não apenas por ser o blueprint, mas também porque ele tem a elegância, um humor irônico e um je ne sais quoi, uma atitude meio debonair de quem tem muita confiança na própria imagem e na personalidade. além de ser muito inteligente e dedução rápida.

mas vamos à história: James Bond é um agente secreto britânico que é chamado para investigar um crime na Jamaica — a morte de um representante do governo. se você for safo, ler nas entrelinhas e olhar no Wikipedia, vai descobrir que quando o filme foi gravado (em locação, vale ressaltar), a Jamaica era colônia inglesa. o filme foi lançado após a independência do país; mas historicamente falando, James Bond basicamente está lá representando a metrópole numa colônia do combalido império britânico.
let that sink in.
antes que surjam reclamações anacrônicas sobre o filme, nenhum filme de James Bond está apartado das questões geopolíticas da Guerra Fria. nenhum. (senão, não existiria “O Espião que me Amava”…)
voltando ao filme, Bond vai à Jamaica e descobre que não é apenas isso de estranho que tá rolando na ilha: tem outro pedaço de terra que não pode ser acessado pelos locais porque aparentemente pertence a um carinha chamado Dr. No, e ele é perigoso — bem perigoso. o interessante é que você passa meio que 80% do filme sem ver a cara do cidadão, o que faz o crescendo do vilão às ocultas, mesclado com as ameaças dos capangas dele que podem estar em qualquer canto de Kingston, bem reais. stakes are high, galera.
problema é quando aparece Dr. No, interpretado por Joseph Wiseman, você fica meio “ahhh… é esse cara o vilão?” (sem contar com o fato do personagem ter origem asiática, chinesa no caso, e ele ser branco.).

(esse filme tem vários casos de yellowface que nem vou comentar)
até chegar a Dr. No, são vários momentos de pura investigação e uma ou duas cenas de ação no filme. é bem bacana ver um filme que no fim, é de “ação”, onde a ação é pontuada e o foco é na investigação, nas double entenders, na mente do protagonista tentando resolver as situações de maneira rápidas; além das escolhas técnicas para tornar o filme mais ágil, a exemplo dos efeitos que dão ênfase aos socos e chutes, e as mudanças no ritmo mesmo — quando a ação se concentra na ilha dominada por Dr. No, a coisa fica mesclada entre a tensão digna de um thriller e uma vibe aventura na floresta, com algumas doses de humor. você não cansa da história, e os diálogos também ajudam manter a trama sempre ágil.
sobre as Bond Girls, apesar de vermos Bond se envolver com três mulheres no filme (Sylvia Trench, Miss Taro e Honey Rider — os nomes, meu pai!), a namorada dele no filme, digamos assim, é Honey Rider, vivida por Ursula Andress (e literalmente dublada na versão original do filme). ela não é exatamente uma potência atuando; e pior, a personagem não tem lá muito traço de personalidade ou desenvolvimento… algo que se repete em 90% dos filmes do James Bond exceto por muito poucos.

mas no geral, eu gosto muito desse filme: feito em locação (amo), o ritmo ágil para a época, além dos aspectos canônicos aparecendo pela primeira vez (o “Bond, James Bond”, o “martíni batido, não mexido”…), e aceito até mesmo a abertura meio sem graça — na verdade, bem a cara do começo dos anos 60. o legal mesmo é ouvir a trilha sonora original do John Barry (ou do Monty Norman?) e começar a sentir o impacto de algo que provavelmente vai mudar nossas vidas… há mais de 50 anos.
o próximo post será sobre “Moscou contra 007”, esse sim um dos meus favoritos de toda a franquia. e vocês saberão o porquê (ou não, vá que eu deteste nessa re-assistida) em breve!