sobre pessoas negras em romances de época
refletindo um pouco sobre o que eu escrevo
hoje eu decidi refletir um pouco sobre uma discussão que sempre ficou em minha mente toda vez que eu começava a escrever, e talvez fique na mente de pessoas negras que escrevem: retratar a presença negra em romances de época.
eu sou escritora de romances, tanto contemporâneos quanto de época, e como uma apaixonada por história (a tal ponto que eu cheguei a considerar estudar História na faculdade — não para lecionar, e sim para pesquisar), a pesquisa histórica sempre fez parte de meu processo criativo. E quando o assunto eram os meus romances de época, que se passam em sua maioria fora do Brasil, nas pesquisas que eu fazia eu percebi que a presença de pessoas negras era real, variada e historicamente verídica em lugares que nos romances de época que eu lia na adolescência parecia que a gente não estava presente.
o meu incômodo, como leitora — e depois como autora — sempre foi o fato de que, em livros com bailes, intrigas da era regencial, vitoriana, a gente não estava presente — quando sim, estávamos lá, na História. Poderíamos não estar presentes numa vibe a la Bridgerton, mas a gente estava. Por exemplo, Alexandre Dumas, autor de “O conde de Monte Cristo”, era um homem negro. O pai dele, general do exército napoleônico, era negro.
por isso, quando decidi escrever esses romances de época que se passavam fora do Brasil, foi de meu interesse inserir pessoas negras nesse contexto, com agência, para superar um incômodo que existia dentro de mim, saca?
só que quando o romance de época se passa no Brasil, a coisa é um pouco mais complexa porque existiu um período muito específico de nossa história que existiu nas colônias e que torna difícil, complicado até, contar histórias de amor. Então, como sempre tive muita cautela neste processo, tive cautela para escrever algo do gênero — e aí quando surgiu “O Lenço Vermelho” (que eu tô lançando), eu preferi centrar a história na década de 1930, onde os efeitos da escravidão existem, mas a gente tá livre, lutando para sobreviver e brilhar num mundo repleto de desafios. Escolher colocar a história no começo do século XX acalmou muitas de minhas tensões, tensões essas que com certeza são vividas por outras pessoas que escrevem romances de época aqui no Brasil.
em “O Lenço Vermelho”, assim com outros romances de época que venho escrevendo, eu busco esse conforto — de colocar pessoas negras em vários estratos sociais, enfrentando desafios, buscando ou tendo essa agência, e especificamente para as mulheres negras (que são o foco de minha escrita), tentar mostrar essas mulheres em uma visão que muitas vezes são colocadas para mulheres brancas. A ideia de pureza, de inocência, que foi colocada por anos na conta de mulheres brancas e que não é colocado a nós, porque não somos vistas com esse véu de pureza e inocência; mas principalmente, fazer com que o leitor repense a forma como nós somos vistos não apenas nesta, como em qualquer história.
por isso, no dia de hoje, bem como todos os dias: leiam romances. Leiam romances feitos por pessoas negras. Leiam romances de época escritos por pessoas negras.